quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Bastidores Natal


Assim se faz um panetone artesanal

TEXTO: ANA MUNIZ

Presença obrigatória nas mesas de Natal, o panetone conquistou os brasileiros, principalmente por causa da imigração italiana do início do século passado. As principais marcas do mercado são a prova disso: Bauducco, Visconti, Cristallo... Outra família que se aventurou a atravessar o oceano, da Itália para o Brasil, é a Di Cunto, que também trouxe na bagagem a receita artesanal de um pão doce feito com frutas secas. Aquele simples doce que a família italiana tanto gostava é hoje o disputado panetone feito desde 1939 na já tradicional fábrica e doceria Di Cunto, instalada no bairro da Mooca.
Quando se vê o panetone na prateleira, ninguém imagina o trabalho que dá para fazê-lo. todo dia, dez confeiteiros produzem ali 150 panetones de 1 quilo ou 300 unidades de 500g. Entre novembro e dezembro, são feitas 55 mil unidades – entre 1k, 750g e 500g. Na Di Cunto, os panetones não são exclusividade da época do Natal. Ele é preparado diariamente, de janeiro a dezembro.
Para que os leitores de RSVP entendam melhor todo o processo que dá origem ao item mais popular das mesas natalinas, nossa reportagem invadiu a cozinha da família Di Cunto. Conheça a seguir alguns fatos básicos e algumas curiosidades sobre a produção do legítimo panetone artesanal.

Fundada em 1935, a história da doceria Di Cunto começa com um engano de país. Em 1878, o italiano Donato Di Cunto, órfão de pai desde os 14 anos, decidiu migrar para Montevidéu com apenas 17 anos, onde a mãe tinha parentes. Analfabeto quando embarcou em Nápoles com destino a Montevidéu, recebeu da mãe a orientação de que deveria desembarcar no terceiro porto contado após a travessia do Atlântico: Rio de Janeiro, Santos e, finalmente, Montevidéu. Mas, durante a longa viagem de navio, houve a bordo um surto de uma doença contagiosa, que obrigou o navio a fazer uma parada forçada, para um período de quarentena. O imprevisto confundiu o garoto, que considerou o porto de Santos como a terceira parada e desembarcou. Em Santos, percebeu o erro, pois não havia ninguém para encontrá-lo e muito menos quem compreendesse o italiano. Percebeu que não tinha mais volta. Sorte dos paulistanos. Caso contrário, não conheceriam o famoso panetone da família!
Em São Paulo, trabalhou como carpinteiro e teve como chefe o arquiteto Ramos de Azevedo. Mas queria mais. “O Donato sempre quis ter um negócio próprio e trazer a família”, explica o bisneto Marco Alfredo Di Cunto Jr, responsável pelo departamento de marketing. Em 1889, inaugurou uma das primeiras padarias de São Paulo. Mais tarde a segunda, localizada na Alameda Taubaté, hoje Borges de Figueiredo, que abriga a Di Cunto desde então. Com duas padarias, decidiu fechar a primeira e investir todos os esforços na recém comprada. Voltou para a Itália para buscar mais familiares e nunca mais voltou.
Os filhos – Vicente, Lorenzo, Roberto e Alfredo – vieram para o Brasil, reacenderam o forno e inauguraram a Irmãos Di Cunto em março de 1935, que cresceu, cresceu e cresceu como uma massa de panetone e hoje tem 8 mil m2 de área construída, sob o comando dos netos de Donato – Reinaldo, Marco Alfredo, Paula Porta e Antônio Carlos Di Cunto.
A estrela da casa é o panetone, mas o misto de doceira, fábrica, restaurante e rotisserie possui uma linha de mil produtos, entre doces napolitanos, como o sfogliattele, massas caseiras, salgados e pães. A produção do bolo natalino movimenta cifras impressionantes: a cada ano, são consumidos 475 kg de gotas de chocolate, 6 toneladas de uvas-passas, 3800 kg de frutas cristalizadas, 3800 kg de gemas, 15 toneladas de margarina e gordura vegetal e 70 toneladas de farinha de trigo. O processo todo dura 72 duas horas, dos ingredientes crus às prateleiras da loja.
A primeira fase é a produção do fermento natural e da massa, feita no fim da tarde pelo chefe da confeitaria Silvio Barbosa, que trabalha desde 1985 na Di Cunto. “Não usamos fermento industrializado, pois o que fazemos aqui garante um sabor especial ao produto”, explica Barbosa. A massa descansa de 12 a 14 horas e, no dia seguinte, às 6h30, os funcionários já trabalham a todo vapor. Colocam a massa do dia anterior na batedeira industrial, onde ela recebe mais um reforço (com farinha, gemas e leite). Para os 170 kg de massa que são fabricados diariamente - e que rendem 150 panetones de 1 quilo ou 300 de 500g -, usa-se 10 kg de frutas cristalizadas e 20 kg de uvas-passas para a receita tradicional ou 15 kg de gotas de chocolate para fazer os chocotones.
Misturados todos os ingredientes, é hora de pesar e dividir a massa em nacos de 1 kg, 500 g ou 750 g. Em seguida, os padeiros arrumam os panetones em tabuleiros, para que descansem por mais duas ou três horas. Depois, os panetones são enrolados manualmente – processo feito desde a inauguração da casa -, colocados em formas de papel e levados ao forno por 50 minutos. Só no dia seguinte, após resfriar, eles são embalados.
O segredinho para que o panetone faça tanto sucesso a família não revela. Mas Marco Alfredo acredita que um dos fatores é a dedicação dos funcionários. “Como a empresa é familiar, não abrimos mão do respeito e carinho pelos funcionários. Temos trabalhadores que estão aqui há 40 anos”, orgulha-se. Outro detalhe que ajuda a manter a qualidade é que, após o panetone ficar pronto e antes de ir para a loja, os sócios se revezam para experimentar o produto. “Assim, temos certeza de que está bom”, conta. Um dos orgulhos da família é que a Di Cunto é a mais antiga fábrica de panetone em atividade no Brasil. “Ensinamos o nosso cliente a comer panetone o ano inteiro sem ter de esperar pelo Natal”, finaliza Marco Alfredo.

Di Cunto: Rua Borges de Figueiredo, 61/103 – Mooca. Tel.: 6292-7522.

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